Miguel Uribe permanece hospitalizado após atentado em ato de campanha. Senador e pré-candidato presidencial pelo Centro Democrático, é filho da jornalista Diana Turbay, morta pelo narcotráfico em 1991. (Raul Arboleda/AFP)
Editora ESG
Publicado em 8 de junho de 2025 às 12h41.
Quando Miguel Uribe Turbay formalizou sua candidatura presidencial em outubro de 2024, escolheu simbolicamente o local onde sua mãe, a jornalista Diana Turbay, foi assassinada em 1991 durante uma operação de resgate malsucedida, após ter sido sequestrada por traficantes do Cartel de Medellín.
No momento do anúncio, refletiu sobre como a tragédia familiar moldou sua trajetória. "Eu poderia ter crescido buscando vingança, mas decidi fazer a coisa certa: perdoar, mas nunca esquecer", disse à época.
Oito meses depois, na tarde deste sábado 7 de junho, um novo capítulo se adiciona à sua trágica história familiar. Protagonizado agora, pelo próprio Uribe Turbay, senador e pré-candidato presidencial pelo Centro Democrático, baleado em um ato de campanha no oeste de Bogotá.
Em declaração transmitida na noite de sábado, o atual presidente da Colômbia, Gustavo Petro condenou o atentado e prometeu "caçar" os responsáveis, sugerindo que outros criminosos podem estar envolvidos. Até o momento, informações oficiais dão conta de que o autor seria um menor de 15 anos.
O episódio, considerado o mais grave contra um candidato presidencial em décadas, provocou condenações generalizadas, num momento já bastante crítico e de alta polarização política, intensificada pela rejeição do Senado ao referendo trabalhista de Petro em maio deste ano.
Neste contexto, Miguel Uribe tem sido um dos articuladores centrais da resistência parlamentar às iniciativas do governo atual, posicionando-se sistematicamente contra as reformas estruturais propostas pela gestão de Petro desde 2022.
Enquanto muitas teorias circulam nos bastidores da política e da cobertura local, o que já se sabe é que estão de volta os fantasmas da violência política que aterrorizaram a democracia do país entre 1980 e 1990.
O atentado contra o senador colombiano acontece em um momento de crescente deterioração da segurança, impulsionado sobretudo pela expansão do crime organizado em toda a America Latina.
Análises especializadas indicam que organizações criminosas regionais alcançaram rentabilidade sem precedentes, aproveitando do crescimento exponencial da produção de cocaína, que dobrou na última década segundo dados da ONU, e pelos lucros com mineração ilegal e tráfico humano.
Em março deste ano, Jeremy McDermott, codiretor da InSight Crime, organização não governamental especializada em crime organizado na América Latina e Caribe, alertou sobre esse fenômeno em uma entrevista a um podcast.
"À medida que as preocupações com a segurança aumentam, essas questões devem desempenhar um papel decisivo nas eleições no Equador, Honduras, Chile e Colômbia", declarou.
Um contexto, segundo McDermott, resultante da transformação das dinâmicas de descentralização política nessas regiões, que redistribuiu autoridade estatal para níveis locais justamente quando organizações criminosas expandiram suas capacidades operacionais e financeiras
Em uma análise complementar, Will Freeman, pesquisador do Council on Foreign Relations (CRF), acrescentou em um artigo publicado no ano passado.
"Prefeitos, governadores e assembleias locais passaram a deter poder real, incluindo controle policial e contratos públicos, enquanto estruturas partidárias tradicionais se enfraqueceram, criando lacunas que organizações criminosas preencheram sistematicamente".
Na Colômbia, essa infiltração já se converteu em indicadores preocupantes. Assassinatos e ameaças contra líderes políticos quase triplicaram entre 2015 e 2023, sinalizando um progressivo enfraquecimento do espaço democrático.
Como observou Freeman, "a influência criminosa na política local é indiscutivelmente menos catastrófica do que um narcoestado em pleno desenvolvimento. Mas isso torna muito fácil para os presidentes negligenciarem o problema."
O atentado a Uribe intensifica também, questionamentos sobre a capacidade do governo Petro de garantir estabilidade institucional nos dois anos restantes de mandato. Indicadores de performance mostram trajetória descendente.
A Colômbia encara a maior onda de violência da última década, após diversos ataques de grupos armados que deixaram mais de 100 mortos e 36.000 deslocados desde a semana passada, levando à suspensão dos diálogos de paz com o Exército de Libertação Nacional (ELN), principal organização guerrilheira ativa no país.
A aprovação do presidente da Colômbia declinou de 62% para 39% entre início e final de 2024, enquanto a produção de cocaína registrou expansão de 53% no período 2022-2023, segundo dados do UNODC.
Outro ponto de fragilidade: a estratégia governamental de "Paz Total" enfrenta enorme resistência social, com pesquisas indicando que 66% dos colombianos avaliam negativamente seu progresso e 85% percebem deterioração nas condições de segurança.
Simultaneamente, o governo registra limitações operacionais. Em agosto de 2024, relatórios oficiais reconheceram um retrocesso no controle territorial e a perda de algumas regiões por parte do Exército e da polícia, junto com o aumento nas taxas de sequestro e extorsão.
Em agosto de 2022, pouco após ser eleito, Gustavo Petro anunciou a política de "Paz Total" que, entre outras ações, previa diálogos simultâneos com todos os grupos armados ativos no território nacional e estabelecimento de cessar-fogos temporários.
Maio de 2025 foi decretado como prazo final para encerrar definitivamente as hostilidades, sobretudo com o ELN.
O compromisso não se materializou, adicionando mais uma dose de descrédito sobre a viabilidade da estratégia "Paz Total", dois anos e meio após sua implementação.
Indicadores quantitativos avalizam a discrepância entre promessas e resultados.
Entre janeiro e setembro de 2024, a Colômbia registrou 47 massacres com 168 vítimas, enquanto 117 líderes sociais foram assassinados no mesmo período.
A violação de direitos humanos por grupos armados aumentou 11% comparado aos dois primeiros anos do governo anterior, enquanto 68% das disposições do Acordo de Paz de 2016 com as FARC permanecem não implementadas.
A estratégia de Petro falhou particularmente na contenção da expansão territorial da criminalidade e nas tentativas de negociação simultânea com múltiplos grupos armados, sem considerar especificidades.
Análises especializadas identificam que três deles - Estado Mayor Central (EMC), Segunda Marquetália e Autodefesas Gaitanistas - aproveitaram o período de tratativas para consolidar o domínio regional e diversificar fontes de financiamento.
Paradoxalmente, a taxa nacional de homicídios da Colômbia diminuiu ligeiramente no ano passado, o que pode estar relacionado ao cessar-fogo assinados. Contudo, outros indicadores de insegurança permanecem críticos.
Áreas historicamente violentas ainda registram taxas acima de 90 homicídios por 100.000 habitantes e sequestros atingiram, em 2023, seu nível mais alto em oito anos.
Miguel Uribe posiciona-se como defensor de políticas de segurança rigorosas e faz parte de uma geração política colombiana marcada pela violência histórica.
Um grupo que inclui o atual prefeito de Bogotá, Carlos Fernando Galán, filho do líder liberal assassinado Luis Carlos Galán, e uma de suas maiores rivais no Senado, María José Pizarro, filha de Carlos Pizarro Leongómez, assassinado em 1990 quando era candidato presidencial.
Após cirurgia para remoção de projéteis, o político permanece em estado crítico na Fundação Santa Fe. E o atentado deixa muitas interrogações para além do fato imediato.
Sua eventual recuperação terá implicações diretas nas dinâmicas eleitorais de 2026, considerando sua posição como principal articulador oposicionista dentro do Centro Democrático.
Num cenário mais amplo, o episódio intensifica questões fundamentais sobre a capacidade estatal de proteção da democrácia e a viabilidade do exercício político em contextos de violência persistente.
E para o governo Petro, representa o teste definitivo de capacidade de contenção da deterioração institucional antes da sucessão de 2026.